O ENSINO JURÍDICO EM EXTENSÃO: PRÁTICA DE PREVENÇÃO E TRATAMENTO AOS CONSUMIDORES ENDIVIDADOS
Vitor Hugo do Amaral Ferreira
Os cursos jurídicos desenvolvem importante papel em todos os setores da vida social. Por meio deles são formados profissionais que exercem forte influência nas mais diversas atividades que organizam uma sociedade. A ampliação do número de Faculdades de Direito e a grande quantidade de estudantes é parte característica e, este cenário, contempla uma discussão importante sobre o papel do ensino jurídico.
É uma constatação geral a relevância dos cursos jurídicos, com isso, necessária a reflexão diante das perspectivas de maior entrelaçamento entre ensino, pesquisa e extensão. A Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018, estabeleceu as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira, instituiu os princípios, os fundamentos e os procedimentos que devem ser observados no planejamento, nas políticas, na gestão e na avaliação das instituições de educação superior de todos os sistemas de ensino do país.
Conhecer o humano é situá-lo no universo, contemplando a ideia de que todo o conhecimento deve contextualizar seu objeto – “Quem somos?” é inseparável de “Onde estamos?”, “De onde viemos?” e “Para onde vamos?”.[1] A necessidade de se compreender o ensino jurídico como um ente associado ao mundo, à realidade, exige de forma persistente as respostas dos questionamentos: O que é o Ensino Jurídico?, Onde está o Ensino Jurídico? e Para onde vai o Ensino Jurídico?
O ensino passa pela compreensão de que a educação é uma forma de intervenção no mundo. A mudança deste implica na dialética entre “a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação.”[2] A partir desse raciocínio, Paulo Freire expõe que o caminho para a inserção está na decisão, uma escolha, e por consequência, há a intervenção na realidade.[3] É papel do ensino jurídico desvendar os conhecimentos, “é preciso efetivamente recompor o todo para reconhecer as partes”[4]. Deisy Ventura defende o posicionamento que deve haver um resgate da consciência de que o ensino superior de Direito é, essencialmente, atividade de ensino; secundariamente, superior e de modo específico de Direito, trazendo a identidade do que se tem a ensinar. [5]
O direito do consumidor está inserido na sociedade de consumo que tem se caracterizado por uma diversidade de fatores, dentre eles o crédito. A democratização de financiamentos, empréstimos consignados, crédito rotativo de cartões e outros produtos aliados à ausência de uma educação/alfabetização financeira faz dos consumidores brasileiros uma das populações mais endividadas do mundo, que já não consegue arcar com necessidades básicas. As dívidas se sobrepõem e disso surge o (sobre)endividamento ou superendividamento.
O Projeto de ensino e extensão com atuação na prevenção e tratamento do superendividamento do consumidor já desenvolvido no Curso de Direito, da Universidade Franciscana (UFN), com mais de 10 anos de funcionamento, está atrelado ao Centro de Prevenção e Tratamento do Superendividamento oriundo de convênio da instituição com a Prefeitura Municipal que estabelece cooperação técnica no Programa Municipal de Proteção ao Consumidor (PROCON).
A proposta está organizada em três eixos: a) Prevenção: consiste em atividades com o grupo de alunos para criação de material informativo digital com conteúdo sobre educação financeira; b) Tratamento: a partir do atendimento aos consumidores com demanda de (sobre)endividamento é realizado, via PROCON, a elaboração de um Plano de Pagamento e Recuperação de Crédito; e c) Produto: os dados resultantes apontam o perfil dos atendidos no projeto e geram uma amostra dos consumidores endividados no Município de Santa Maria-RS.
Neste breve ensaio, o projeto tem desenvolvido atividade de extensão oportuna à formação dos acadêmicos, que passam a conhecer e interagir com problemáticas sociais atuais, construindo espaços de diálogo e intervenção crítica e propositiva. Ao tema desenvolvido, nosso registro da recente conquista, que tem esforços dos alunos do Curso de Direito da UFN, a aprovação do PL nº 3515/2015, na Câmara dos Deputados, que cuida da atualização do Código de Defesa do Consumidor para aperfeiçoar a disciplina de concessão de crédito e a prevenção do superendividamento dos consumidores.
[1] MORIN, Edgar. Os Sete saberes necessários à educação do futuro. 6. ed. Tradução: Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; UNESCO, 2002, p. 47.
[2] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 28 ed. SãoPaulo: Paz eTerra, 2003, p. 79.
[3] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 28 ed. SãoPaulo: Paz eTerra, 2003, p. 76.
[4] MORIN, Edgar. Os Sete saberes necessários à educação do futuro. 6. ed. Tradução: Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; UNESCO, 2002, p. 37.
[5] VENTURA, Deisy. Ensinar Direito. Barueri, SP: Manole, 2004, p.16.
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NA BUSCA DAS RELAÇÕES PARENTAIS SAUDÁVEIS
Bernadete Schleder dos Santos
Uma dissolução de casamento ou de união estável, quando o casal possui filhos, além do traumático rompimento da estrutura familiar, pode acarretar litígios com efeitos nocivos para as crianças. A alienação parental e o abandono afetivo são alguns desses malefícios. A proposta da prática extensionista na disciplina de Direito das Famílias, do Curso de Direito da UFN, é de prevenir essas questões, através da divulgação do conhecimento e da conscientização da importância da guarda compartilhada na busca da harmonia das relações parentais.
O trabalho integra o projeto de extensão “Direito Constitucional Aplicado, gestão de pessoas e de processos”, como um subprojeto nominado: “Os efeitos do rompimento conjugal na convivência parental: a conscientização da importância da guarda compartilhada como prevenção à alienação parental e ao abandono afetivo”
Sob a coordenação da professora Bernadete Schleder dos Santos, os alunos participantes conciliam os conteúdos teóricos trabalhados com atividades práticas extensionistas. Essa proposta, além de formar futuros operadores jurídicos sensíveis aos problemas familiares e a importância da conciliação, oportuniza aos acadêmicos a intervenção na comunidade local e regional, através da divulgação das boas práticas de convivência após a dissolução da família conjugal.
A metodologia empregada visa a qualificação e a sensibilização dos acadêmicos para a importância da intervenção social através da divulgação de materiais educativos sobre o tema. O uso da rede social, instrumento possível considerando o momento atual de pandemia, tem apresentado eficácia pelo número de população atingida. Através de páginas no Instagram (extensao_quem_ama_cuida) e no Facebook (Quem ama cuida- pela boa convivência parental), os acadêmicos preparam e divulgam os conteúdos usando os vários recursos disponibilizados pelos aplicativos. São publicadas decisões jurisprudenciais, notícias atualizadas, textos legislativos e doutrinários, produção acadêmica pertinente, sugestões de filmes e livros, atividades de interação motivadoras, lives com debates e entrevistas com operadores jurídicos e especialistas das áreas afins.
Dentre os resultados esperados, além da qualificação dos participantes, busca-se o estreitamento de laços entre a academia (UFN) e a sociedade, com consequente redução de problemas nos litígios familiares, promovendo-se, assim, uma cultura de paz através da convivência familiar e social sadia.
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INCLUSÃO DIGITAL E PROTEÇÃO SOCIAL: SISTEMA “MEU INSS” DESCOMPLICADO
Felipe Stribe da Silva
O ensino superior deve aliar atividades de ensino e pesquisa com a extensão, pois na forma do art. 207 da Constituição de 1988 as universidades “obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Neste sentido, a Lei 13.005 de 2014 que estabelece o Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024 no anexo “Metas e Estratégias” prevê no item 12.7 “assegurar, no mínimo, 10% (dez por cento) do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universitária, orientando sua ação, prioritariamente, para áreas de grande pertinência social;”
Para efetivar essa Meta foi editada a Resolução CNE/CES nº 7[1], de 18 de dezembro de 2018, que prevê que a extensão em seu art. 3º “é a atividade que se integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo-se em processo interdisciplinar […] que promove a interação transformadora entre as instituições de ensino superior e os outros setores da sociedade, por meio da produção e da aplicação do conhecimento, em articulação permanente com o ensino e a pesquisa. ”
Neste sentido o Curso de Direito da Universidade Franciscana estabelecido a partir da Linha de Pesquisa Teoria Jurídica, Cidadania e Globalização, por sua natureza sempre esteve sensível às necessidades da sociedade onde está inserido. O “Direito da Seguridade Social”, disciplina do 10º semestre deste curso, vincula-se diretamente a essa busca por cidadania que por sua vez vincula-se à garantia de uma condição digna de sobrevivência.
A Seguridade Social, segundo o art. 194[2] próprio texto constitucional, consiste em um sistema integrado de ações e iniciativas dos poderes públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos à saúde, à assistência social e à previdência, portanto, o ensino e a compreensão deste sistema por si só de forma estática não é suficiente para que os graduandos compreendam a importância dele para grande parcela da população.
Com o ambiente da Pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19, Sars Cov-2), iniciada em 2020, a sociedade passou a sofrer com o risco epidemiológico e também com os reflexos econômicos das medidas sanitárias, aumento das taxas de desemprego, redução da renda das famílias, encerramento de diversas atividades comerciais, entre outros.
O serviço de saúde, com os cuidados, tratamentos e com a vacinação, passou a ter um papel central, mas como a própria seguridade preceitua, os seus serviços devem atuar de forma integrada e, portanto, a assistência e, sobretudo, a previdência devem acompanhar a saúde no enfrentamento destes desafios, garantindo um mínimo de sustento às populações economicamente afetadas pela pandemia, seja acometidas pela doença, seja com morte do responsável pelo sustento da família, ou mesmo com o simples desemprego.
Por outro lado, o avanço tecnológico impôs uma transformação das mais diversas relações sociais[3], e também dos serviços públicos, a seguridade social não ficou alheia a essa transformação. Nesse sentido, os requerimentos, perícias e a concessão de benefícios previdenciários e assistenciais passaram a utilizar-se de sistemas informatizados, sendo o mais recente chamado “Meu INSS”[4], instituído pelo Art. 667-A da Instrução Normativa INSS Nº 77 DE 21/01/2015.
Ocorre que a população brasileira, dentre as suas diversas carências e necessidades, encontra na inclusão digital de grande parcela da população um obstáculo[5] ainda intransponível, considerando que ter acessos às Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) não é suficiente para esse acesso, mas sim a compreensão de seu funcionamento.
Portanto, nesse sentido e para atingir os objetivos apregoados pela Resolução CNE/CES nº 7, de 18 de dezembro de 2018, a disciplina de Direito da Seguridade Social passou a incluir atividades de extensão consistentes na produção de material audiovisual (vídeos) pelos acadêmicos matriculados, com o objetivo de facilitar o acesso da população a serviços essenciais na plataforma “Meu INSS”.
Foram eleitos pelos acadêmicos, em conjunto com o docente, um total de 06 serviços: a) Acessar o Meu INSS, b) Agendar uma Perícia, c) Simular uma Aposentadoria, d) Obter o Extrato do CNIS, e) Validar um Facultativo de Baixa Renda e f) Fazer um Recurso Administrativo.
As turmas foram divididas em 06 grupos e cada grupo deverá produzir um vídeo de 5 a 10 minutos sobre o seu serviço, após esse material ficará disponibilizado no portal CORONAJur organizado no âmbito do Núcleo de Extensão do Curso de Direito, ao final dos trabalhos será organizada uma reunião ao vivo, em cada turno, ao final do semestre, com os alunos responsáveis pelos vídeos para que relatem as dificuldades que encontraram na produção do material.
[1] Disponível em < https://abmes.org.br/legislacoes/detalhe/2665> acesso em 27 de maio de 2021.
[2] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário – 23. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.
[3] CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, sociedade e Cultura V. 01: sociedade em Rede. 14ª Reimpressão com novo Prefácio. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
[4] Disponível em < https://meu.inss.gov.br/central/#/login> acesso em 27 de maio de 2021
[5] Pesquisa TIC-Domicílios disponível em < https://cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/> acesso em 27 de maio de 2021.
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DISCIPLINA DIREITO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE.
Rosane Leal da Silva
A Constituição Federal de 1988, seguindo a inspiração da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, em discussão à época, adotou a doutrina da proteção integral. Expressa no art. 227, este comando prevê que crianças e adolescentes deverão ser tratados com prioridade, atendendo-se a todas as dimensões necessárias para a promoção de sua proteção integral, cuja promoção é de responsabilidade compartilhada entre família, sociedade e Estado.
Tal orientação rompeu com o modelo normativo da situação irregular, até então vigente e que considerava crianças e adolescentes como objeto de intervenção, o que importou na superação do vetusto Código de Menores (1979) pela Lei nº 8.069/1990, denominada Estatuto da Criança e Adolescente. Ainda que o modelo normativo tenha se transformado, propondo que todas as ações devem ser orientadas ao melhor interesse da criança e do adolescente, a realidade, no entanto, insiste em revelar situações de total desarmonia entre a promessa da lei e a práxis.
Esse estado de coisas evidencia a necessidade de divulgar a legislação protetiva e, mais do que isso, sensibilizar a população sobre a necessidade de cuidado e atenção especiais que devem ser direcionados a quem se encontra em momento tão peculiar de sua vida, em processo de formação.
É com esse objetivo que são promovidas e realizadas as atividades de extensão propostas no projeto intitulado “Direito da infância e adolescência em pauta: conhecer para respeitar”, executado na disciplina de Direito da Criança e Adolescente. Objetiva-se colocar em movimento o tripé ensino, pesquisa e extensão, pois a partir dos conteúdos desenvolvidos nas aulas os estudantes são instigados a eleger aquele ponto que consideram mais sensível, cuja abordagem entendem que pode trazer uma contribuição social. Uma vez eleito o tema, partem para a fase de pesquisa que objetiva conhecer mais profundamente o problema social e propor uma abordagem jurídica que seja clara e compreensível. A investigação das fontes de referência ocorre concomitantemente com a proposta do formato de produto que vão disponibilizar: cartilha eletrônica, cartaz, criação de site, elaboração de um vídeo, montagem de podcast, dentre outras opções que o grupo entender viável para a apresentação do conteúdo.
Assuntos como negligência escolar em períodos de pandemia, violência familiar, violência sexual, abuso e exploração sexual, direito à saúde e vacinação, oportunidade do trabalho como aprendiz para adolescentes, são alguns dos temas que estão no “radar” dos estudantes este semestre e que, espera-se, rendam bons conteúdos de extensão.